Paulo

    Na intimidade do lar, era chamado de Paulino (que, em italiano, quer dizer Paulinho); no dialeto de meu avô, Pavolino ou Pavlino (sempre o diminutivo de Pavolo ou de Pavlo).

    Nasceu em Casa Branca - SP, aos 25 de janeiro de 1896, dia que se comemora a fundação da cidade de São Paulo. Por isso, meu avô deu-lhe o nome de Paulo.

    Era o primeiro filho da casa que nascia em solo brasileiro. Teve uma infância comum aos que viveram naquela época.

    Aos 06/05/1908 faleceu sua mãe. Ele tinha apenas 12 anos, mas não queria ficar em casa sem mãe.

    Morava no antigo Caracol, hoje Andradas-MG.

    Para ficar sem mãe, qualquer lugar lhe bastava, pensou. Assim, resolveu ir até a vizinha Espírito Santo do Pinhal e, lá, arranjou emprego na loja do senhor Villas Boas, que o acolheu como a um filho e o colocou a dormir num quartinho dos fundos da loja, dizendo-lhe: -"menino, aqui tens um revólver Colt calibre 32; podes pegar quantas caixas de balas forem necessárias a que se torne exímio atirador e treina bastante. Toma conta da loja para mim." E assim foi feito.

    Os anos se passaram e Paulino foi se aperfeiçoando também nos negócios até quando pediu demissão e foi negociar por conta própria com as economias que fez enquanto dormia e se alimentava nos fundos daquela loja.

    Conseguiu ganhar um bom dinheiro, pagou os empréstimos que contraíra e, algum tempo depois, fundou uma loja de armarinhos ali mesmo em Espírito Santo do Pinhal.

    Tempos depois, lendo nos jornais as noticias da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, com operários e engenheiros tendo de enfrentar os índios do lugar, que atacavam a via férrea, seu espírito aventureiro começou a falar mais alto e ele já estava "louco" de vontade de estar ali participando daquela epopéia toda.

    Não demorou muito, vendeu sua loja de armarinhos e rumou para aquela região. Fixou residência num lugar que se chamava Albuquerque Lins. Era o ponto final da construção da ferrovia naquela ocasião. Ali começou a comerciar com cereais.

    Com o tempo, as terras ao redor iniciaram o plantio de café, surtindo tão grande efeito que o lugar passou a ser conhecido como "o maior centro cafeeiro do mundo". Instalou maquinaria apropriada para beneficiamento, catação e separação por tipo e qualidade de bebida, aperfeiçoou-se em formação de lotes para exportação, fez curso de provador de café e terminou montando uma casa exportadora em Santos-SP, de onde exportou muitos lotes, principalmente para Hamburgo, na Alemanha, cujos importadores davam preferência aos lotes formados por Paulo, pela seleção de qualidade da bebida tão ao gosto deles.

    Fez fortuna e já com 27 anos, foi procurar a "mulher dos seus sonhos" que vira alhures, muito tempo antes. Era Haydée Viotti Nogueira de Sá, lá de Jacutinga-MG.

    "Vini, vidi, vinci"; veio, viu e venceu. Casou-se com ela em 08/02/1923.

   Tiveram oito filhos. Cuidou de todos, cuidou também do pai, cuidou dos irmãos que encontraram sérios obstáculos e dificuldades no caminho da vida de negócios, além de problemas oriundos da imigração, ao tempo famigerado "eixo", durante a segunda grande guerra.

    Participou da revolução de 1924 em defesa de São Paulo. Perdeu.

    Depois, prosperou muito, chegando a dar, como prêmio de produção, um automóvel Ford zerinho, o famoso pé-de-bode, ou "Ford de bigode", a cada gerente de suas sucursais.

    Foi eleito Prefeito da cidade já emancipada com o nome de Lins, desde 1926 até 1929.

    O presidente da República era Washington Luiz Pereira de Souza, que tinha como lema "governar é construir estradas".

    Seguiu a orientação presidencial e construiu todas as estradas municipais de Lins, que existem até hoje. Só não ficou muito mais popular, porque instituiu o primeiro pedágio da história do Brasil. Em uma curva da estrada que demandava os então distritos de Paraíso e Vila Sabino, colocou uma corrente a servir de barreira para cobrança do pedágio. Aquela curva tinha, até pouco tempo, o nome de "corrente". Após o asfaltamento da estrada, chamada vicinal, o traçado foi um pouco modificado e aquela curva "ficou no desvio".

    Participou da revolução de 1930 ao lado dos legalistas, contra o golpe de Getúlio Vargas. Perdeu novamente.

   Com o craque financeiro mundial provocado pela quebra da bolsa de Nova Iorque, perdeu quase tudo, restando-lhe apenas uma fazenda às margens do córrego Tibiriçá, duas máquinas de beneficiamento de café e dois sítios, um no Córrego do Fim, em Guaiçara e outro no Córrego dos Patos, em Promissão. Todo o café que tinha em estoque foi queimado pelo governo da União, então dirigido pelo ditador Getúlio Vargas.

    Em 1932, ocorreu a revolução constitucionalista; São Paulo exigia uma Constituição para o Brasil, a fim de que não mais ficasse sob ditadura. Paulo foi um dos políticos da região que mais deram suporte a essa revolução. Perdeu de novo.

    Sempre foi um legalista, democrata, constitucionalista e lutador pela liberdade dos povos. Ele se dizia um social-democrata. Só ganhava em eleições; em revoluções, nunca. Tinha muito prestígio político. A primeira candidatura de Ulisses Guimarães a deputado estadual foi lançada por Paulo Lusvarghi. Venceu. Lançou-o, depois, a deputado federal. Venceu de novo. Nunca perdeu uma eleição democrática. Todo candidato a vereador, prefeito, deputado, senador, governador ou presidente da república que ele apoiava, vencia.

    Gostava de cantar "Casinha Pequenina" e outras canções mais da época de sua juventude. Era jovial, alegre e dono de uma risada inconfundível, incomparável.

    Enquanto foi rico e bajulado, foi procurado por um moço, tipógrafo, que viera da região de Ribeirão Preto e estava sem emprego; nem condições financeiras de ter seu próprio negócio.

    Comovido com aquela situação, Paulo dirigiu-se a um amigo, diretor do antigo Banco Noroeste, onde movimentara fortunas, e solicitou um emprego para aquele moço.

    O Banco admitiu o rapaz como faxineiro, que passou a contínuo, depois escriturário, chefe de seção, foi prosperando e chegou a gerente; com o passar do tempo, por mérito, passou a integrar a direção do Banco.

    Quando esse moço, chamado Amador Aguiar, já acumulava bastante experiência, economias e tinha uma visão inovadora para a administração de um Banco, visão essa, inteiramente voltada para a pessoa do cliente, traduzida em serviço, não encontrando eco na diretoria do Banco onde trabalhava e em nenhum outro, saiu e fundou o seu próprio banco.

    Nascia o Banco Brasileiro de Descontos, hoje Bradesco, que seus antigos patrões e outros banqueiros com "dor-de-cotovelo" intitulavam, pejorativamente, de "Banco Brasileiro dos Dez Contos", porque mil mil réis era um conto de réis (o real, ou réis era a moeda brasileira da época) e dez mil mil réis eram dez contos de réis, mas isso não era pouco dinheiro. Era o capital do Banco que fundou. Queriam passar a imagem de pobretão ou pobre coitado ao competente e cavalheiro senhor Amador Aguiar.

    Este, sempre teve uma conduta inatacável, impecável e sempre demonstrou reconhecimento a Paulo Lusvarghi como tendo sido este um legítimo e desinteressado benfeitor e grande amigo.

    Muito tempo depois, em julho de 1958, Paulo embrenhou-se nos sertões de Mato Grosso, a abrir fazenda. Depois, exercendo o cargo de Delegado de Polícia de Nobres, necessitou tirar licença para tratamento de saúde e cuidar de um câncer que o consumia, até que, menos de dois meses depois, faleceu em Lins-SP, aos 24/01/1969, sendo sepultado no dia em que completaria 73 anos de idade, 25/01/1969. Há uma rua com o nome dele, na cidade.

    No leito de morte, ainda falava em voltar para Mato Grosso e ir até Rondônia e Acre, a criar gado bovino.

    Esse era Paulo: não se entregava. Esse era o meu pai. Homem probo, de valor, exemplo de abnegação e honestidade.